«De Gil Vicente (1465?-1537?) pouco se sabe em concreto. Desconhece-se o local e a data exactos do nascimento e morte. Alguns documentos dão-no como, além de dramaturgo, ourives. Sabe-se, todavia, que no dia 8 de Junho de 1502 representou um monólogo à rainha D. Maria. É provável que tenha nascido na província (Guimarães), cedo se fixando em Lisboa. Na capital, a sua principal ocupação parece ter sido a de escrever e representar autos nas cortes do rei D. Manuel e do rei D. João III. É considerado o pai do teatro português. De 1502 a 1536, Gil Vicente produziu mais de quarenta peças de teatro, chegando a publicar em vida algumas delas. Colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. No entanto, só em 1562 é que o seu filho Luís Vicente publicou toda a sua obra com o título Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente, a qual se reparte em cinco livros. Da compilação, destacamos as peças mais conhecidas: Auto da Índia (1509), Exortação da Guerra (1513), Quem Tem Farelos? (1515), Auto da Barca do Inferno (1517), Auto da Fama (1521), Farsa de Inês Pereira (1523), Auto da Feira (1528) e Floresta de Enganos (1536).»
Projecto Vercial, Universidade do Minho
«É interessante recuar no tempo e vermos como Gil Vicente, com mão de artista, fez deslizar, perante os olhares dos contemporâneos e vindouros, o espectáculo da vida, apontando os erros de uma sociedade em que a regra geral era cada qual viver «a seu prazer», egoisticamente, explorando, de uma maneira ou outra, o próximo.
Assim, ouvimos o Lavrador, no «Auto da Barca do Purgatório», a queixar-se:
«Nós somos vida das gentes
e morte das nossas vidas.
(...)
o lavrador
não tem tempo nem lugar
nem somente d' alimpar
as gotas do seu suor
(...)
Cada um pela o vilão
Por seu jeito.»
Nada «escapa» à perspicácia do olhar vicentino - a vaidade e futilidade da menina da época:
Ir amiúde ao espelho
e poer do branco e do vermelho,
e outras coisas que eu sei;
pentear, cuidar de mi
e poer a ceja em dereito;
e morder por meu proveito
estes beicinhos, assi.»
in «Quem Tem Farelos?»;
A subordinação de todos os valores
morais ao poder do dinheiro:
Toda a glória de viver
das gentes é ter dinheiro,
e quem muito quiser ter
cumpre-lhe de ser primeiro
o mais roim que puder.
in «Auto da Feira»;
o desconcerto do mundo:
Todo o mundo está mortal
posto em tão escuro porto
de uma cegueira geral
que nem fogo, nem sinal,
nem vontade: tudo é morto.
in «Auto de Mofina Mendes»
Muitas mais citações poderiam ser apresentadas. Em todas, a mesma irreverência, a mesma mordacidade, a mesma justeza crítica e abrangente...
À distância de quatro séculos, as críticas vicentinas continuam plenas de actualidade, imbuídas de um realismo acutilante, na busca de uma sociedade mais humanizada.»
Lucinda Sousa Brandão Pereira, Maria de Jesus Vaz de Carvalho da Silva,
Maria Ercília Tavares Meneses Gandra Aleixo, Maria Isabel Maia Pinto de Oliveira
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Maria F.